quarta-feira

Primeiro o som de vozes muito alto. Depois, um estrondo. Dois. Vários. Gritos. Confusão.
Abri a porta e cheguei à sala.
A Paula estava completamente desfigurada, agarrada pelas outras mulheres, o Daniel com as mãos na cabeça, os homens de volta dele. Papéis no chão, uma secretária tombada, o computador caído.
Fez-se um silêncio de morte quando deram pela minha presença.
Depois uma série de palavras que me chegaram aos rolos, às convulsões, nada que eu entendesse, só barulho.
Deixei-me estar, precisava de arrumar aquela cena diante dos meus olhos aqui, neste local de trabalho e não na rua ou numa tasca manhosa em que as conversas e os actos se desenvolvem de faca na liga.
Muitas explicações, tudo ao mesmo tempo e num descuido das outras, a Paula liberta-se e salta como uma fera sobre o Daniel, ataca-o, bate-lhe descontroladamente onde consegue atingir, urra, perdeu um sapato, a blusa rasgada, ele só protege a cara e os genitais.
Toda a gente acode e esquecem-me. Assisto a tudo. De repente acende-se uma imagem dentro de mim, uma visão, sou eu, não é a Paula ou o Daniel, sou apenas eu, sem som, apenas imagens que julguei nunca conseguir recordar... Então foi isto que me aconteceu a mim... Isto, esta coisa de animal, ferir para não morrer, tudo à volta é perigo.

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